Antonio Henrique de Carvalho Ellery, ou simplesmente Henrique Ellery, é um nome que está nas origens. Foi um dos idealizadores e fundadores da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), ajudou a articular a criação de duas regiões da Justiça do Trabalho e participou ativamente da indicação da primeira mulher a compor o Tribunal Superior do Trabalho. Com uma carreira de mais de 53 anos dedicados ao Ministério Público da União – junto a Justiça do Trabalho, Ellery é daqueles personagens que misturam memória institucional com engajamento. E, como ele próprio gosta de repetir, “vencer sem luta é triunfar sem glória.”
Atual Diretor Legislativo da ANAMPA, ao lado de Denise Lapolla, ele integra a primeira gestão da entidade com a convicção de um pioneiro e a experiência de quem conhece os bastidores do Parlamento como poucos. É, nas palavras do ex-procurador da República, Dr. Geraldo Brindeiro, “o inativo mais ativo” de que se tem notícia — e talvez o mais fiel à ideia de que a história é o único caminho legítimo para construir o futuro, porém, consciente de que o Ministério Público não reverencia o seu passado.
Nascido em Natal, no Rio Grande do Norte, Henrique Ellery não chegou a ser registrado na cidade. Apenas 12 dias após seu nascimento, seu pai — oficial do Exército — embarcou com toda a família rumo ao Rio de Janeiro para iniciar o curso de formação em engenharia no Instituto Militar de Engenharia. Foi lá que viveu até os cinco anos de idade. A partir daí, sua infância e juventude foram marcadas por constantes mudanças de estado em estado, acompanhando o pai em sua missão de servir ao país como engenheiro militar.
Sem jamais ter criado raízes em sua terra natal, Henrique Ellery seguiu os passos de Ariano Suassuna e encontrou em Pernambuco — mais especificamente em Recife — a terra do seu coração. Foi lá que se formou pela tradicional Faculdade de Direito do Recife e iniciou uma trajetória que o levaria aos bastidores dos Três Poderes, com passagens pela Presidência da República e pelo Governo do Distrito Federal. E hoje usa esse conhecimento a favor de uma causa que considera urgente e inadiável: a defesa dos aposentados e pensionistas do Ministério Público e da Magistratura da União.
Sua motivação? A justiça, sempre pautada no espírito da lei. Mas também a memória. “A ANAMPA me deu essa missão — e eu a cumpro não só pelos colegas, mas pelas mulheres dos colegas, pelas pensionistas, por tudo que esses homens e mulheres fizeram pelo Brasil”, afirma. Com fé, indignação e um grande senso de responsabilidade, ele tem sido uma peça-chave nas articulações legislativas em Brasília. E vê, no fortalecimento da entidade, a única forma de reparar uma injustiça histórica e evitar o silêncio que costuma vir depois da aposentadoria, tendo como maior bandeira o respeito aos colegas de ontem.
Nesta entrevista, Henrique Ellery, hoje aos 78 anos, compartilha marcos da sua trajetória, bastidores de sua atuação nos Três Poderes e reflexões sobre o valor da união, da verdade e do respeito à história. Para ele, a ANAMPA é mais que uma entidade: é um gesto coletivo de dignidade.
Como é que o senhor chegou ao Ministério Público? Já era uma carreira pensada muito antes da faculdade?
Henrique Ellery – Na verdade, meu sonho era ser militar. Eu vim do Colégio Militar, mas fui impedido por não alcançar a os requisitos de saúde exigidos — na época, já tinha 7, 5 de miopia — e nas Forças Armadas, ou pode ou não pode, não tem jeitinho. Terminei o colégio militar de Belo Horizonte (MG) e fui para o Recife, onde ingressei na Faculdade de Direito do Recife e me encantei com a profissão. Comecei como estagiário num escritório de advocacia no primeiro semestre.
Fiquei muito próximo do Tribunal de Justiça de Pernambuco — eu vivia mais dentro do tribunal do que em casa. Naquela época, eu brincava dizendo que era “gandula de processo” — e com muito orgulho. E, aos 78 anos, sigo com o mesmo espírito: sempre pronto para correr atrás do que for preciso pela efetividade do Direito.
Entretanto, foi com o prefeito do Recife, Dr. Augusto da Silva Lucena, do qual foi oficial de gabinete entre 1966 e 1970, que forjei meus conhecimentos na arte da política, da diplomacia e da negociação com o Legislativo. Tive como mentores, além do prefeito, o então senador Barros de Carvalho.
Em 1970, fui trabalhar com o presidente da República, como assessor especial, ao mesmo tempo em que atuava com o secretário de obras e também com o governador de Brasília. Era tudo simultâneo. Mas foi num almoço no Rio de Janeiro, com membros históricos do Ministério Público da União junto à Justiça do Trabalho — como Evaristo de Moraes, Danilo Pio Borges, João Antero de Carvalho, José Maria Caldeira, Roque Vicente Ferrer, Adelmo Monteiro de Barros, Brígido Tinoco e Benjamim Eurico Cruz — que minha ligação com o Ministério Público se fortaleceu.
Passei a frequentar aquele grupo semanalmente, e foi ali, entre figuras notáveis do Ministério Público do Trabalho, que recebi dois dos maiores incentivos da minha vida: lutar pela criação da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e me tornar procurador. E foi com esse apoio que abracei a missão. Em fevereiro de 1974, fui nomeado pelo presidente Médici ao cargo de Substituto de Procurador do Trabalho Adjunto, do Ministério Público da União, junto à Justiça do Trabalho, com sede na 6ª Região, em Recife.
O senhor tem uma história que se confunde com a do próprio Ministério Público do Trabalho. Conte-nos um pouco mais sobre essa sua luta para fundar a ANPT.
Ellery – Foi uma missão muito difícil. O ministro Armando Falcão, que assumiu após o professor Buzaid, não era muito simpático à ideia. A cada tentativa, o Palácio devolvia os nomes da diretoria com vetos — voltaram cinco ou seis vezes. Curiosamente, eu nunca colocava meu nome. Sempre escolhia colegas de primeira categoria. No fim, o Planalto aprovou os nomes, mas exigiu que incluísse o meu nome, o de Eurico Cruz e o do Procurador-Geral da Justiça do Trabalho, Dr. Marco Aurélio Prates de Macedo, sendo que este último deveria assinar a ata de sua criação.
E assim foi feito. Por justiça, devemos esclarecer e exaltar a atuação do Ministro Armando Falcão, que nos apoiou nesta árdua empreitada, e também sua equipe: Dr. Aldo Ferro, Dra. Lorenzi, Dr. Fernando Amorim, Dr. Bonifácio, Dr. Péricles Sales, Dr. Paulo Cabral de Araújo, Dr. Walter Costa Porto e Dr. Roberto Batendiere. A associação foi criada, resistiu a muitos momentos críticos e está aí até hoje, com 46 anos. Tenho um orgulho imenso.
O senhor foi indicado duas vezes para o cargo de Juiz do Trabalho, hoje equivalente a Desembargador do Trabalho, pelo quinto constitucional, mas decidiu não aceitar. Ainda assim, contribuiu com a indicação de nomes importantes — inclusive na valorização das mulheres na carreira, certo?
Ellery – Sim. Fui convidado para ser desembargador na 9ª e na 10ª Região, mas nunca tive vocação para ser magistrado. Indiquei nomes que ocuparam com grande dignidade o nosso quinto constitucional, quais sejam: Pinto de Godoy e Alcides Nunes Guimarães, oriundos da gestão de Getúlio Vargas e João Goulart, presidentes que foram os baluartes da criação da Justiça do Trabalho no Brasil. Além disso, sempre lutei pela presença feminina no Ministério Público. Quando entrei, havia apenas cinco mulheres na instituição — duas em Pernambuco, duas em Brasília e uma no Rio de Janeiro.
Foi com o apoio da esposa dona Marly Sarney, esposa do então Presidente José Sarney, que conseguimos nomear a ministra Cnéa Moreira, a primeira mulher a ocupar um tribunal superior, o Tribunal Superior do Trabalho. O STF a homenageou recentemente, mas pouca gente sabe que foi o Ministério Público do Trabalho que deu esse passo gigantesco na história. Hoje, a maioria do MPT é composta por mulheres. E eu me pergunto: por que elas ainda não ocupam a Procuradoria-Geral? Sempre acreditei no brilhantismo, na competência e no equilíbrio da mulher — qualidades que impulsionam até o desempenho dos homens ao redor.
O senhor já participou da criação da ANPT e agora acompanha o crescimento de outra entidade — a ANAMPA. Quais aprendizados da sua trajetória e da sua atuação política traz para essa nova função legislativa? E como sua experiência no Congresso Nacional tem contribuído com os diálogos da ANAMPA?
Ellery – Nós estamos numa quadra muito difícil. O Congresso Nacional de hoje não é o que eu conheci. Hoje, o poder que pauta os demais não é o Legislativo nem o Executivo — é o Supremo Tribunal Federal. O STF vem orientando, inclusive, as pautas do Congresso, como vimos no caso da PEC 45. Acompanhado da Presidente da ANAMPA, Dra. Sônia Roberts, e da Vice-Presidente, Dra. Regina Butrus, estivemos dentro do plenário da Câmara durante a votação, trabalhando para que a proposta saísse com algum equilíbrio, como previa o Executivo.
Não podemos conceber que um Membro do Ministério Público da União receba verba indenizatória ou qualquer outro nome que venha a se dar, sem contribuição previdenciária, sem imposto de renda. Isso não é justo. Não sou contra os colegas, mas defendo a Constituição. E se estivesse na ativa, eu mesmo recusaria esse tipo de pagamento. É uma questão de princípio.
Frequento o Congresso Nacional regularmente — segundas, quartas e sextas. E levo comigo a missão de defender não só os aposentados, mas também as pensionistas, que hoje enfrentam situações dramáticas. Conheço casos de viúvas de procuradores passando necessidade, sem conseguir pagar o condomínio ou mesmo garantir a alimentação básica. E isso me revolta.
Falando em justiça, o que motivou o senhor a se aproximar da ANAMPA? A entidade surgiu de uma urgência, com foco na defesa da paridade. Mas o que o move hoje a representá-la como diretor legislativo?
Ellery – Fui convidado para integrar a ANAMPA por estar em Brasília, porque sabíamos como é importante ter alguém aqui, acompanhando tudo de perto. Desde então, tenho feito esse trabalho com muito empenho. Recentemente, trouxemos também a doutora Sandra, do Ministério Público Federal, para somar nesse esforço. Precisamos de mais braços na capital, porque aqui é onde tudo acontece.
Eu costumo dizer: quem vem da Avenida Paulista precisa entender que, em Brasília, ela não existe. A única Avenida Paulista que importa aqui é o Eixo Monumental. É em Brasília que as decisões são tomadas. E mais — ou você tem habilidade para trabalhar ali dentro ou não dá um passo. É preciso mostrar a cara, ser reconhecido. É isso que faço. A ANAMPA me deu essa missão — e eu a cumpro não só pelos colegas, mas pelas mulheres dos colegas, pelas pensionistas, por tudo que esses homens e mulheres fizeram pelo Brasil.
Dentro das estratégias que vocês têm definido na ANAMPA, como enxerga o futuro? O que ainda pode ser feito para sensibilizar os parlamentares e fazê-los compreender uma pauta que, para vocês, é tão evidente?
Ellery – A principal estratégia é simples: precisamos conversar com os parlamentares. A experiência com a PEC 45 mostrou isso. Quando conseguimos acesso direto aos parlamentares, avançamos. Então, temos que estar com os parlamentares full time. É olho no olho. É convencimento direto.
Inclusive, recentemente foi aprovada uma audiência pública no Congresso com participação da ANAMPA. Será uma grande oportunidade para estarmos frente a frente com vários parlamentares ao mesmo tempo e vamos aproveitar muito bem esse momento. Sabemos que explicar nossas demandas para um parlamentar nem sempre é fácil. O tempo deles é curtíssimo. É por isso que a abordagem direta, olho no olho, é tão importante. E, uma vez estabelecido o contato, aí sim você pode dialogar com o assessor, que vai levar a mensagem ao senador ou deputado com mais clareza.
Para encerrar, gostaríamos de saber o que o senhor diria àqueles que ainda não se associaram à ANAMPA? E também àqueles que já estão com vocês, mas talvez ainda não conheçam todo o trabalho que vem sendo feito?
Ellery – Aos colegas de ontem — da magistratura e do Ministério Público — eu faço um apelo sincero: acreditem na ANAMPA. Estamos só começando, ainda nem completamos 180 dias de existência, mas o que já fizemos nesse tempo é significativo. Claro, os desafios ainda são muitos, mas já demos o primeiro passo de uma longa maratona. Como bem diz o provérbio chinês, vencer sem luta é triunfar sem glória.
Nossa missão é resgatar aqueles que foram, de alguma forma, marginalizados pelas associações de seus respectivos ramos, não por culpa da associação em si, mas por suas diretorias, que são passageiras. Porque é isso que somos hoje: marginalizados pelas estruturas superiores das nossas instituições, que se esqueceram dos membros de ontem e das pensionistas. Mas nós não esquecemos. Honramos a memória dos que se foram e valorizamos aqueles que ainda podem contribuir. É por isso que estamos aqui, em Brasília, lutando todos os dias, de domingo a domingo.
Temos uma diretoria brilhante — em sua maioria formada por mulheres — com uma dedicação exemplar. Estão sempre disponíveis, interagindo com os associados, esclarecendo dúvidas, acolhendo sugestões. Esse compromisso é o que sustenta o nosso trabalho. Então eu peço: confiem em nós. A força da ANAMPA está na união dos seus associados. Precisamos de vocês para sermos mais fortes, para termos mais representatividade, mais voz, mais impacto.
E saibam que nós não lutamos apenas por nós. Lutamos também pelas pensionistas, pelas famílias dos colegas que dedicaram a vida inteira ao serviço público ou daqueles que se foram mais cedo, deixando filhos menores e esposa. E vamos seguir. Com coragem, com fé e com a firme convicção de que é possível fazer justiça. Porque sem união, não há avanço. Sem história, não há futuro. E sem memória, não há dignidade.