Como Diretor Jurídico Adjunto da ANAMPA, Nelson Cardoso dos Santos tem trabalhado para ampliar o reconhecimento e a valorização dos aposentados e pensionistas da magistratura e do Ministério Público da União. Integrante da primeira gestão da associação, ele vê na entidade um espaço necessário para tratar das questões que impactam quem dedicou anos ao serviço público e hoje enfrenta perdas acumuladas na remuneração. “Nossa missão é dar visibilidade e respeito à história de quem contribuiu durante anos”, resume.
Sua aproximação com o movimento associativo começou após a aposentadoria, quando percebeu que muitos colegas sequer tinham clareza sobre o impacto das novas verbas criadas exclusivamente para quem está na ativa. A chamada Licença Compensatória (LC), a Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição (GECJ) e a Gratificação por Exercício de Cargos ou Funções Administrativas e de Assessoramento (GECO) acentuaram a disparidade remuneratória entre ativos e aposentados e pensionistas, criando uma situação que, para Nelson, precisa ser amplamente debatida.
Na ANAMPA, ao lado da Diretora Jurídica Zélia Montal e demais integrantes da Diretoria, além da busca da paridade para aqueles que a detêm e sem descurar de questões mais específicas que interessam aos “migrados”, Nelson atua em frentes como a defesa do pagamento do retroativo do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), a revisão do auxílio-saúde e o fortalecimento da base de associados, considerada por ele estratégica para dar peso institucional às demandas da entidade. Sua experiência de 24 anos na magistratura contribui para a compreensão dos desafios e das oportunidades de diálogo com as diferentes instâncias.
Nesta entrevista, ele aborda um pouco da sua trajetória, explica por que decidiu integrar a primeira gestão da ANAMPA e avalia as perspectivas para as pautas da associação. Com serenidade, ele destaca a importância de manter o trabalho coletivo e acredita que o engajamento crescente da categoria é um sinal positivo.
Como o decidiu seguir a carreira jurídica? Foi algo planejado, um desejo antigo, ou acabou se aproximando da magistratura por outros caminhos?
Nelson Cardoso dos Santos: Venho de uma família do interior de Pernambuco, e depois de concluir o ensino médio migrei para São Paulo, por opção familiar. Trabalhei por muito tempo no antigo Banco do Estado de São Paulo, o antigo Banespa. E, sinceramente, o Direito não estava nos planos.
Certo dia, em uma das comunicações internas que rotineiramente eram encaminhadas às Agências, em especial aos “Chefes de Serviço”, soube da relevância do cargo de Advogado na estrutura do Banco, tanto no aspecto remuneratório, quanto para a progressão na carreira. Ingressei na Faculdade de Direito e, após a graduação, no primeiro concurso interno para Advogado, fui aprovado e nesta condição passei a atuar no Departamento Jurídico do banco. Só que, nesse intervalo entre terminar a faculdade e fazer o concurso, houve alterações substanciais no estatuto do banco e o cargo de advogado deixou de ser atrativo.
Fiquei bastante decepcionado com aquilo e, pouco depois de ir para o jurídico, eles lançaram um plano de demissão voluntária, ao qual eu aderi. Dali em diante comecei a prestar todos os concursos que apareciam e que me interessavam: Magistratura e Ministério Público, Federal e Estadual, tendo como foco principal Justiça do Trabalho, onde os concursos na época eram mais frequentes.
Casado, com duas filhas pequenas, “arrimo de família”, achei que seria uma transição rápida, porque tinha ido bem na primeira prova, para a magistratura federal. Eu tinha a indenização do PDV, que segurava as contas por uns 12 meses, mas sabia que o tempo estava correndo. Foi um período de muita dedicação, estudando bastante, porque tinha que dar certo. Felizmente, consegui ser aprovado na magistratura do trabalho em nove meses, um prazo até curto diante da média que via nos colegas.
E ao longo desses anos de magistratura, depois desse ingresso tão marcante, quais foram os maiores desafios e mudanças que presenciou na carreira?
Nelson: O momento mais marcante, sem dúvida, foi o da minha entrada na magistratura. Eu estava desempregado, com uma responsabilidade financeira grande, e prestando vários concursos ao mesmo tempo. Na época, eu já tinha chegado à fase final em vários TRTs e no Ministério Público do Estado de São Paulo. Lembro-me que fui ao tribunal para saber o tema sorteado para a minha argüição oral, conversei com a coordenadora do concurso, a dona Cleide — uma senhora já de idade — e ela, com muita simpatia, me disse: “Olha, doutor Nelson, vá até a biblioteca, e peça um livro emprestado, diga que fui eu que mandei.”
Fui até lá, mas o servidor da biblioteca respondeu que não podia emprestar o livro, porque era exclusivo para magistrados. Então, eu disse a ele: “Não tem problema. Você me emprestando ou não, eu vou passar da mesma forma e, quando eu voltar aqui como juiz, você vai ter que me emprestar.” Esse episódio ficou marcado para mim, pela autoconfiança manifestada.
No dia da prova oral, enquanto ajeitava a gravata, o nó ficou impecável de primeira. Ali eu senti que seria o meu dia. E realmente foi. Inclusive, foi um concurso atípico na 2ª Região, porque dos mais de 2.600 candidatos, só dois foram aprovados. A prova objetiva, em especial, foi extremamente difícil, daquelas em que é complicado até entender a expectativa do examinador, apenas trinta e dois candidatos foram para a segunda fase. Por coincidência — ou não, porque dizem que acaso não existe —, os dois aprovados éramos da mesma faculdade, a Católica de Direito de Santos, da mesma turma: eu e um colega que ainda está na ativa, Dr. Bruno Wagner.
O senhor atual na magistratura do trabalho por 24 anos. Nesse período, se envolveu diretamente com as associações de classe?
Nelson: Não, eu, particularmente, sempre preferi focar no meu trabalho. Tenho um perfil de não acumular muitas atividades ao mesmo tempo — embora agora, ironicamente, esteja fazendo várias coisas de forma simultânea. Durante o período em que estive na ativa, optei por não integrar diretorias nem aceitar convites para dar aulas, justamente para manter o foco exclusivo na magistratura. Minha prioridade era o exercício da função. Na verdade, nem pensava em me aposentar. Acabei me aposentando por uma questão de saúde. Apesar de já ter tempo de contribuição — foram 43 anos —, a aposentadoria não era algo que eu planejava naquele momento. Foi uma decisão forçada pelas circunstâncias.
Antes de assumir sua função atual na Diretoria Jurídica da ANAMPA, qual era a sua percepção sobre a atuação das associações que representam os magistrados?
Nelson: Na verdade, como disse, eu não participava diretamente da gestão das associações. Então somente depois que passei a me envolver mais de perto é que percebi as engrenagens e as dificuldades próprias do trabalho associativo. Sempre fui um associado, participava das eleições, tinha minhas opções políticas, mas não atuava na linha de frente.
De modo geral, enquanto estava na ativa, eu acompanhava mais a atuação da associação local, e me parecia satisfatória, pelo menos no que dizia respeito aos magistrados na ativa. Agora, para os aposentados, confesso que eu não tinha uma visão tão clara — até porque não sentia na pele as dificuldades. Sabia que já tinham existido momentos complicados para os inativos, mas não acompanhava de perto.
Hoje, vejo que, apesar de as associações seguirem atuantes, elas acabaram, de forma até inexplicável, negligenciando os aposentados e pensionistas, talvez porque a maioria dos associados ainda seja composta por juízes na ativa. É fato: depois que nos aposentamos, nos tornamos praticamente invisíveis. E tem outro ponto que me preocupa muito: grande parte dos aposentados sequer sabe o que está acontecendo.
Pelas experiências que compartilhamos, sabemos que muitos aposentados sequer conhecem a Licença Compensatória ou entendem as perdas que estão sofrendo. É até compreensível, porque muitos, em idade avançada, enfrentam problemas de saúde e acabam se afastando desses temas. Mas, felizmente, ainda há colegas com saúde e disposição para lutar. E foi por isso que decidi me unir a esse grupo: para tentarmos, juntos, enfrentar essa situação, que é muito difícil, a gente sabe, mas não impossível.
O senhor diria que a criação da Licença Compensatória acentuou ainda mais essa sensação de invisibilidade dos aposentados? Na sua visão, esse foi o divisor de águas entre ativos e inativos?
Nelson: Sem dúvida. Foi um marco, sim, e uma questão muito complexa, porque envolve não só a esfera associativa, mas também as relações pessoais. Na criação da Licença Compensatória, houve uma aceitação, mesmo que não totalmente explícita, por parte das demais associações representativas da magistratura e dos procuradores. E o que se vê hoje é que, mesmo com discursos generalistas dizendo que defendem os aposentados, na prática, não há nenhuma ação concreta, nenhuma estratégia clara para resgatar a paridade. Se você pergunta objetivamente o que estão fazendo por isso, não há resposta consistente.
Então, foi uma divisão que aconteceu tanto no campo associativo quanto no pessoal. Sei que não é só comigo — muitos colegas também enfrentaram o distanciamento de colegas da ativa por conta da LC. Mas, infelizmente, não é um fenômeno inédito: as pessoas se afastam por divergências políticas, religiosas, futebolísticas, por vários motivos. E agora, infelizmente, também por causa da luta pela paridade.
*Como recebeu o convite para integrar a ANAMPA, não apenas como associado, mas também como diretor?
Nelson: Já fazia algum tempo que eu estava envolvido com o grupo de magistrados aposentados que participou do Conamat 2024. Depois do evento, transformamos aquele grupo inicial no que passamos a chamar de “Grupo Paridade”. Alguns colegas seguiram atuando de forma mais engajada e, desse grupo, nasceu a ANAMPA.
Quando começamos a formar a chapa, fui convidado a integrar a diretoria como adjunto da Diretora Jurídica, Zélia Montal. Poder contribuir de alguma forma para esse movimento tem sido muito enriquecedor. Como em todas as funções que assumi ao longo da vida profissional, essa também exige comprometimento e responsabilidade. Temos nossas reuniões semanais, lidamos com questões pontuais que vão surgindo, e isso acaba exigindo bastante dedicação.
É claro que, às vezes, isso retira um pouco do tempo que eu gostaria de dedicar à família e impacta a vida pessoal, mas acredito que vale a pena. Temos plena consciência de que enfrentamos uma batalha difícil, contra forças muito maiores, mas é fundamental fazer a nossa parte. E é justamente essa convicção que me mantém firme nesse trabalho.
Além da Licença Compensatória, que outros desafios o senhor enxerga hoje para a ANAMPA?
Nelson: O ponto mais crítico mesmo são a Licença Compensatória e a GECJ – Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição, para juízes; ou Gratificação por Exercício Cumulativo de Ofício – GECO -, para membros do MP. Ambas nasceram da mesma origem. Na verdade, tudo começou com a GECJ, e depois os conselhos criaram, por resolução, a Licença Compensatória, atribuindo a esta natureza indenizatória, para complementar o que a GECJ, sozinha, não alcançava, ou seja, possibilitar o pagamento acima do teto correspondente aos subsídios dos Ministros do STF. Então, essas duas verbas são hoje as questões mais significativas, porque impactam diretamente na enorme disparidade remuneratória entre ativos e inativos.
Além disso, há um problema que vai além das verbas, que é o completo distanciamento dos aposentados da estrutura dos tribunais, como se nunca tivéssemos existido. Embora a Constituição garanta a vitaliciedade do cargo, na prática, uma vez aposentados, somos esquecidos. Temos experiência acumulada que poderia contribuir muito. É claro que não se trata de manter a mesma carga e rotina dos ativos, mas há formas de valorizar e aproveitar quem dedicou a vida à magistratura ou ao Ministério Público.
Existem outras frentes de atuação da diretoria, além da questão da paridade, como, por exemplo, pedidos de revisão sobre o auxílio-saúde ou outros benefícios que possam alcançar os associados?
Nelson: Sim, estamos trabalhando também em outras frentes importantes. A questão do auxílio-saúde está em discussão — falamos sobre isso recentemente na diretoria. Há uma resolução pendente no Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) que deve ser apreciada em breve. Estamos acompanhando para entender como eles vão tratar o tema e, a partir disso, definir as providências cabíveis.
Outro ponto em que estamos atuando com firmeza é o retroativo do ATS. O CSJT ainda não definiu como será feito esse pagamento, mas tivemos decisões recentes no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho da Justiça Federal que autorizaram o parcelamento. Embora não seja a solução ideal, esta questão está prestes a ser analisada pelo CSJT e há a perspectiva de que trilhe o mesmo caminho. A ANAMPA acompanha atentamente e está preparada para, se necessário, adotar outras medidas na defesa de seus associados.
Considerando as dificuldades orçamentárias, o parcelamento se apresenta como a única possibilidade realista no momento. Não é a solução que gostaríamos, mas, diante do cenário, parece ser o caminho mais viável. Em relação ao auxílio-saúde, como já existe resolução do CNJ determinando o pagamento, esperamos que o CSJT regulamente de maneira satisfatória. Se isso não acontecer, vamos adotar as medidas possíveis para garantir o direito dos nossos associados.
Qual é a sua mensagem, tanto para os associados que já reconhecem o trabalho da ANAMPA, quanto para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de se associar? O que a ANAMPA oferece de diferente em relação às outras entidades representativas de juízes e promotores aposentados?
Nelson: A ANAMPA tem um diferencial muito claro: ela foi criada especificamente para defender a paridade, a integralidade e a valorização dos aposentados e pensionistas. Nossa missão é dar visibilidade e respeito à história de quem contribuiu durante anos com o Judiciário e o Ministério Público. Diferente das demais associações – pelas quais tenho respeito e das quais ainda faço parte – a ANAMPA não está vinculada aos interesses da ativa. Isso faz toda a diferença.
As outras entidades, por terem a maioria dos associados ainda na ativa, acabam priorizando naturalmente esses interesses. A defesa dos aposentados, quando ocorre, é quase sempre residual e, principalmente, limitada a situações que não entrem em conflito com as pautas dos ativos, inclusive quanto ao impacto orçamentário. É exatamente isso que reforça a necessidade de uma associação como a nossa, livre para defender sem restrições os direitos dos aposentados.