“Temos voz, saber e história — e vamos usá-los”, defende diretora Zelia Montal

Como bem ilustra a concepção de Miguel de Cervantes em Dom Quixote – posteriormente sintetizada e popularizada por Raul Seixas – “O sonho que se sonha só é apenas um sonho, o sonho que se sonha junto é realidade”. Essa citação não é apenas simbólica para Zélia Montal, Diretora Jurídica da ANAMPA. Ela resume seu espírito de coletividade e sua crença no potencial transformador da união entre aposentados e pensionistas da magistratura e do Ministério Público da União. Com ampla trajetória no Ministério Público do Trabalho, onde atuou por mais de duas décadas, Zélia segue engajada após a aposentadoria — e vê na ANAMPA um espaço para continuar fazendo justiça e contribuindo com a sociedade. Sua luta atual, porém, se dá em outras frentes: no resgate da paridade, na valorização da experiência e na defesa da dignidade funcional dos aposentados. Coautora de um dos artigos mais lidos do portal JOTA — “Justiça fiscal também passa pelos aposentados do serviço público” —, ela tem alertado para os efeitos da licença compensatória (LC). Ao longo desta entrevista, Zélia compartilha sua trajetória e analisa com profundidade os caminhos possíveis para enfrentar essas desigualdades. Ela acredita que, diante da resistência administrativa e judicial, é no Legislativo que mora a maior esperança de mudança — e destaca que o conhecimento e a articulação política são armas poderosas nesta luta. Nesta conversa, ela também propõe que a ANAMPA vá além da pauta remuneratória. Para ela, a associação pode e deve se tornar um espaço de produção e difusão de conhecimento, envolvendo os associados em projetos que dialoguem com a sociedade e promovam a cidadania. “A aposentadoria não precisa ser o fim, mas um recomeço. A experiência que acumulamos pode e deve ser compartilhada. Temos na ANAMPA mentes brilhantes, pessoas com uma bagagem imensa que ainda podem contribuir muito para a sociedade”. É imperativo destacar a relevância do pensar coletivo e da convergência de esforços para a materialização de ideias em ações efetivas. Através do compartilhamento de ideais e de ideias e da cooperação mútua, será possível atingir os objetivos institucionais e as metas da ANAMPA. Como surgiu a escolha pela carreira jurídica? O que a motivou a ingressar no Ministério Público? Zélia Montal – Minha primeira inclinação foi pela Administração. Iniciei o curso, mas logo percebi que não era o meu caminho. Depois disso, ingressei na faculdade de Economia, mas, no terceiro ano, a mesma sensação, e não me via passando o resto da vida fazendo algo que não me realizava. Foi então que decidi tentar o Direito, influenciada também pela minha irmã, que é procuradora do Estado da Bahia. Logo percebi que ali era o meu lugar. Me encontrei no curso e, após me casar, concluí a graduação já em São Paulo. Durante dez anos, atuei em escritório de advocacia com Direito Civil, Administrativo, Previdenciário, de Família entre outras áreas. Foi quando comecei a lidar mais diretamente com Direito Previdenciário e Acidentário — áreas que, de certa forma, dialogam com o Direito do Trabalho. Esse contato me despertou o interesse em prestar concurso para o Ministério Público. Na mesma época, cheguei a me inscrever para a magistratura, mas, quando fui nomeada no MP, não dei continuidade a essa outra possibilidade. Sempre tive uma preocupação muito forte com questões sociais. Temas como gênero, inclusão de pessoas com deficiência, refugiados e demais minorias sempre me tocaram profundamente. E o Ministério Público me pareceu o espaço onde eu poderia, de fato, contribuir. Iniciei na 15ª Região, em Campinas, e, já no mês seguinte, fui transferida para São Paulo. Isso foi em 1988, bem na efervescência do processo constituinte. O concurso foi longo e exigente — a gente precisava dominar tanto o ordenamento antigo quanto as novidades que a nova Constituição traria. Mas deu tudo certo. Sigo dizendo que, mesmo aposentada, o Ministério Público não saiu de mim. Quais foram os seus maiores desafios e que marcaram essa sua trajetória de três décadas de atuação no Ministério Público do Trabalho? Zélia – Olha, um dos maiores desafios — especialmente no Direito do Trabalho — sempre foi garantir a efetividade dos direitos previstos na Constituição. Como estudiosa e entusiasta do Direito Constitucional e posso afirmar: nossa Constituição é riquíssima, principalmente no que diz respeito aos direitos sociais. O artigo 6º trata desses direitos, e o artigo 7º tem XXXIV incisos assegurando direitos trabalhistas. Mas o problema é fazer com que esses direitos sejam respeitados na prática. Como aponta com muita propriedade Norberto Bobbio, o problema dos direitos humanos não está em fundamentá-los, mas em protegê-los, garanti-los, impedir que, apesar de proclamados nas Constituições e mesmo em diversos instrumentos de âmbito internacional, eles continuem a ser sistematicamente desrespeitados e violados. A circunstância de estarem previstos na Constituição não é garantia de que os direitos fundamentais sejam efetivamente cumpridos. A formalização dos direitos evoluiu muito, mas a preocupação atual não é propriamente formal (inserir mais direitos no corpo da Constituição), mais que isso, o que importa é fazer com que esses direitos positivados sejam efetivados. De outra parte, a interpretação muitas vezes varia de acordo com ideologias, com interesses, e isso compromete muito a proteção dos direitos sociais, de modo particular a dos direitos trabalhistas. É preciso, pois, estar vigilante! Nesse sentido, a importância fundamental do Ministério Público do Trabalho. Sempre me vem à lembrança que, quando ingressei, a estrutura do Ministério Público do Trabalho era muito precária. Em São Paulo, havia um estoque de 40 mil processos acumulados por falta de procuradores. Não tínhamos gabinete próprio — eu e mais três colegas dividíamos uma sala. Faltavam recursos materiais e humanos. Trabalhamos demais para vencer aquele passivo. Por isso, quando ouço falar hoje em Licença Compensatória (LC), fico perplexa. Nós enfrentamos tudo aquilo sem qualquer tipo de compensação, com muita dedicação, sabíamos que fazia parte da nossa “missão”. Então, olhando para trás, vejo que os desafios foram muitos, mas a vontade de cumprir a nossa missão sempre falou mais alto. Ao se aposentar, como a senhora percebeu essa transição da ativa para a
Henrique Ellery traz experiência acumulada nos Três Poderes para impulsionar a missão da ANAMPA

Antonio Henrique de Carvalho Ellery, ou simplesmente Henrique Ellery, é um nome que está nas origens. Foi um dos idealizadores e fundadores da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), ajudou a articular a criação de duas regiões da Justiça do Trabalho e participou ativamente da indicação da primeira mulher a compor o Tribunal Superior do Trabalho. Com uma carreira de mais de 53 anos dedicados ao Ministério Público da União – junto a Justiça do Trabalho, Ellery é daqueles personagens que misturam memória institucional com engajamento. E, como ele próprio gosta de repetir, “vencer sem luta é triunfar sem glória.” Atual Diretor Legislativo da ANAMPA, ao lado de Denise Lapolla, ele integra a primeira gestão da entidade com a convicção de um pioneiro e a experiência de quem conhece os bastidores do Parlamento como poucos. É, nas palavras do ex-procurador da República, Dr. Geraldo Brindeiro, “o inativo mais ativo” de que se tem notícia — e talvez o mais fiel à ideia de que a história é o único caminho legítimo para construir o futuro, porém, consciente de que o Ministério Público não reverencia o seu passado. Nascido em Natal, no Rio Grande do Norte, Henrique Ellery não chegou a ser registrado na cidade. Apenas 12 dias após seu nascimento, seu pai — oficial do Exército — embarcou com toda a família rumo ao Rio de Janeiro para iniciar o curso de formação em engenharia no Instituto Militar de Engenharia. Foi lá que viveu até os cinco anos de idade. A partir daí, sua infância e juventude foram marcadas por constantes mudanças de estado em estado, acompanhando o pai em sua missão de servir ao país como engenheiro militar. Sem jamais ter criado raízes em sua terra natal, Henrique Ellery seguiu os passos de Ariano Suassuna e encontrou em Pernambuco — mais especificamente em Recife — a terra do seu coração. Foi lá que se formou pela tradicional Faculdade de Direito do Recife e iniciou uma trajetória que o levaria aos bastidores dos Três Poderes, com passagens pela Presidência da República e pelo Governo do Distrito Federal. E hoje usa esse conhecimento a favor de uma causa que considera urgente e inadiável: a defesa dos aposentados e pensionistas do Ministério Público e da Magistratura da União. Sua motivação? A justiça, sempre pautada no espírito da lei. Mas também a memória. “A ANAMPA me deu essa missão — e eu a cumpro não só pelos colegas, mas pelas mulheres dos colegas, pelas pensionistas, por tudo que esses homens e mulheres fizeram pelo Brasil”, afirma. Com fé, indignação e um grande senso de responsabilidade, ele tem sido uma peça-chave nas articulações legislativas em Brasília. E vê, no fortalecimento da entidade, a única forma de reparar uma injustiça histórica e evitar o silêncio que costuma vir depois da aposentadoria, tendo como maior bandeira o respeito aos colegas de ontem. Nesta entrevista, Henrique Ellery, hoje aos 78 anos, compartilha marcos da sua trajetória, bastidores de sua atuação nos Três Poderes e reflexões sobre o valor da união, da verdade e do respeito à história. Para ele, a ANAMPA é mais que uma entidade: é um gesto coletivo de dignidade. Como é que o senhor chegou ao Ministério Público? Já era uma carreira pensada muito antes da faculdade? Henrique Ellery – Na verdade, meu sonho era ser militar. Eu vim do Colégio Militar, mas fui impedido por não alcançar a os requisitos de saúde exigidos — na época, já tinha 7, 5 de miopia — e nas Forças Armadas, ou pode ou não pode, não tem jeitinho. Terminei o colégio militar de Belo Horizonte (MG) e fui para o Recife, onde ingressei na Faculdade de Direito do Recife e me encantei com a profissão. Comecei como estagiário num escritório de advocacia no primeiro semestre. Fiquei muito próximo do Tribunal de Justiça de Pernambuco — eu vivia mais dentro do tribunal do que em casa. Naquela época, eu brincava dizendo que era “gandula de processo” — e com muito orgulho. E, aos 78 anos, sigo com o mesmo espírito: sempre pronto para correr atrás do que for preciso pela efetividade do Direito. Entretanto, foi com o prefeito do Recife, Dr. Augusto da Silva Lucena, do qual foi oficial de gabinete entre 1966 e 1970, que forjei meus conhecimentos na arte da política, da diplomacia e da negociação com o Legislativo. Tive como mentores, além do prefeito, o então senador Barros de Carvalho. Em 1970, fui trabalhar com o presidente da República, como assessor especial, ao mesmo tempo em que atuava com o secretário de obras e também com o governador de Brasília. Era tudo simultâneo. Mas foi num almoço no Rio de Janeiro, com membros históricos do Ministério Público da União junto à Justiça do Trabalho — como Evaristo de Moraes, Danilo Pio Borges, João Antero de Carvalho, José Maria Caldeira, Roque Vicente Ferrer, Adelmo Monteiro de Barros, Brígido Tinoco e Benjamim Eurico Cruz — que minha ligação com o Ministério Público se fortaleceu. Passei a frequentar aquele grupo semanalmente, e foi ali, entre figuras notáveis do Ministério Público do Trabalho, que recebi dois dos maiores incentivos da minha vida: lutar pela criação da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e me tornar procurador. E foi com esse apoio que abracei a missão. Em fevereiro de 1974, fui nomeado pelo presidente Médici ao cargo de Substituto de Procurador do Trabalho Adjunto, do Ministério Público da União, junto à Justiça do Trabalho, com sede na 6ª Região, em Recife. O senhor tem uma história que se confunde com a do próprio Ministério Público do Trabalho. Conte-nos um pouco mais sobre essa sua luta para fundar a ANPT. Ellery – Foi uma missão muito difícil. O ministro Armando Falcão, que assumiu após o professor Buzaid, não era muito simpático à ideia. A cada tentativa, o Palácio devolvia os nomes da diretoria com vetos — voltaram cinco ou seis vezes. Curiosamente, eu nunca colocava meu nome. Sempre escolhia colegas de primeira categoria. No fim, o Planalto aprovou os nomes, mas exigiu