Neide Consolata explica por que a ANAMPA não vai recuar: “Substitutos recebem como ministros, enquanto aposentados perdem até 1/3 da remuneração”

Ela trocou as Letras pelas leis e nunca mais parou. A atual secretária-geral da Associação Nacional de Magistrados Aposentados do Poder Judiciário da União e de Procuradores Aposentados do Ministério Público da União (ANAMPA), Neide Consolata Folador, começou a vida acadêmica estudando inglês para ser tradutora, mas foi no serviço público que encontrou sua verdadeira vocação. Gaúcha, ingressou como servidora da Justiça do Trabalho do TRT da 4ª. Região (Rio Grande do Sul) ainda jovem e logo percebeu que queria ir além. Mudou de cidade, cursou Direito, tornou-se juíza, passou por diversas comarcas enquanto substituta e, promovida a titular da 2ª. Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu, lá permaneceu até sua aposentadoria. Aposentada desde os 51 anos, com direito à paridade e integralidade, Neide assistiu à corrosão dos direitos dos aposentados prometidos pela Constituição. O que começou com a exclusão dos aposentados do auxílio-moradia tornou-se mais grave com a criação de benefícios remuneratórios travestidos de verbas indenizatórias, como a Licença Compensatória (LC), paga apenas a quem está na ativa. “Por incrível que pareça, ainda encontramos colegas aposentados e pensionistas que não sabem o que é a LC. Muitos não imaginam que um juiz substituto está ganhando praticamente o dobro do que eles recebem. É uma inversão completa de valores — temos substitutos recebendo mais que ministros do STF”, disse. A indignação com esse cenário a motivou a sistematizar o problema no artigo A defasagem remuneratória dos aposentados das carreiras jurídicas, em que descreve os seis atos que, na sua visão, violam frontalmente o regime do subsídio único e, por consequência, a paridade. Foi também esse incômodo que a levou a assumir uma nova missão. Ela esteve no centro do movimento pela criação da ANAMPA desde os primeiros grupos de WhatsApp, passando pela articulação interestadual entre magistrados e procuradores, até a fundação formal da entidade, em 28/10/2024. Hoje, como secretária-geral da associação, ajuda a expandir a base de associados e trabalha pela valorização dos aposentados e pensionistas. Nesta entrevista, Neide revisita sua trajetória e revela por que, mesmo diante de tantas dificuldades, o movimento não vai recuar. “Estamos enfrentando gigantes, é verdade. Mas já conquistamos muitos espaços e isto significa que estamos no caminho certo”, afirma. Houve algum incentivo para sua escolha pela magistratura ou foi algo que surgiu ao longo da sua trajetória profissional? Neide Consolata Folador: Na minha família não havia ninguém ligado ao Judiciário. Somos cinco irmãos, quatro formados em Direito, mas só eu segui carreira jurídica. Direito, aliás, foi minha segunda faculdade. Antes, cursei Letras, porque sempre gostei muito de línguas. Fiz bacharelado em Letras, com o objetivo de ser tradutora. No ano em que me formei, no entanto, fui chamada no concurso público que eu havia feito para servidora da Justiça do Trabalho, no Rio Grande do Sul. E ali encontrei minha realização profissional. Trabalhar com processos, com a rotina do Judiciário, era tudo o que eu queria. Mas digo que a faculdade de Letras não foi em vão. Ela me ajudou muito a desenvolver uma boa redação, o que foi fundamental no concurso para a magistratura — especialmente nas provas dissertativa e de sentença. Enquanto servidora, formada em Letras, percebi que, para crescer dentro da Justiça do Trabalho, eu precisaria também cursar Direito. Transferi minha residência de Porto Alegre para minha cidade natal, no interior do Rio Grande do Sul e fiz a faculdade de Direito em Passo Fundo, viajando 160 Km por dia, entre ida e volta, durante cinco anos. Durante o curso, continuei atuando como servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e, nos últimos dois anos, fui diretora de secretaria – cargo mais elevado para servidor, subordinado apenas ao juiz. Depois de formada, comecei a prestar concursos para juíza do trabalho nos três estados do Sul. Fiz três concursos ao longo de três anos, até ser aprovada no Paraná. No início, ainda morava no Rio Grande do Sul e me deslocava semanalmente para o Paraná – primeiro de ônibus, depois de carro. Mantive essa rotina por dois anos e meio até decidir me mudar definitivamente para o Estado que me aprovou, já que não foi possível fazer permuta para o RS. Fui morar em Curitiba, onde atuei por cinco anos como juíza substituta, até ser promovida a juíza titular e designada para a 2ª. Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu, onde permaneci por dez anos, até a aposentadoria. A senhora tinha alguma expectativa específica ao ingressar na magistratura? O que encontrou ao longo da carreira era o que imaginava? Neide: Eu adorava ser juíza. Já gostava muito de trabalhar como servidora, mas, ao passar no concurso para a magistratura, minha realização profissional foi completa. Claro que tive meus receios no começo, especialmente com a sala de audiências. Quem vem da advocacia geralmente tem mais desenvoltura nesse ambiente, enquanto quem vem do serviço público está mais habituado ao trabalho de gabinete. Como servidora, eu já tinha bastante experiência em elaboração de sentenças, despachos, enfim, tirava isso de letra. No início, as audiências eram um desafio. Superado esse receio inicial, fui ganhando confiança, dominava o ambiente e, realmente, adorava a minha profissão. Sempre trabalhei com muita satisfação. Mesmo assim, sempre dizia que, quando atingisse o tempo necessário, me aposentaria. Defendo a ideia de que os mais velhos devem abrir espaço para os mais novos. Embora muita gente duvidasse que eu fosse mesmo requerer aposentadoria, cumpri o prometido. Gostava muito da carreira, mas me aposentei assim que completei os requisitos para aposentadoria com direito à paridade e integralidade de vencimentos. A prometida paridade foi respeitada por alguns anos. Depois, veio o primeiro golpe: o auxílio-moradia, que foi pago apenas aos ativos. Foi um baque, mas nem se compara ao que está acontecendo agora com essas verbas recentes, que levaram o direito à paridade ao descrédito. A senhora teve uma atuação marcante no movimento associativo desde que se aposentou. Esse envolvimento já era um desejo anterior ou surgiu de forma mais circunstancial? Neide: Quando me aposentei, deixei o Paraná e vim morar em Santa Catarina.